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Foto do escritorLydia Mauler Lobo

Personalidade jurídica dos animais e a guarda em casos de divórcio


O debate sobre a personalidade jurídica dos animais, embora não os equipare a pessoas

humanas em sentido estrito, insinua uma reconceptualização deles como seres dotados de

direitos, que transcendem a mera propriedade. Esse reconhecimento implica uma série de

obrigações legais que visam proteger o bem-estar dos animais, garantindo-lhes uma

existência digna e consideração por suas necessidades físicas e emocionais. Este ponto de

vista é reforçado por legislações específicas que proíbem os maus-tratos e promovem a

proteção animal, como a Lei nº 13.964/2019, que embora não confira explicitamente

personalidade jurídica aos animais, serve como um marco legal para sua proteção.


As decisões recentes do STF têm sido particularmente reveladoras quanto à direção que a

jurisprudência brasileira está tomando neste assunto. O tribunal tem reconhecido a

necessidade de uma abordagem diferenciada quando se trata de decidir sobre a guarda de

animais em casos de divórcio, considerando-os além de meros objetos de disputa. Os

magistrados têm ponderado sobre a capacidade de senciência dos animais, reconhecendo-

os como seres capazes de sentir dor e prazer, e, portanto, merecedores de consideração

especial no que tange às decisões judiciais que afetam seu bem-estar.


Neste contexto, em casos de divórcio por exemplo, o conceito de "guarda" de animais

passou a incorporar considerações que vão além das aplicadas a objetos inanimados ou

propriedades, aproximando-se mais das considerações aplicadas à guarda de crianças,

embora com as devidas distinções. O foco recai sobre o bem-estar do animal, avaliando-se

com quem ele estabeleceu o maior vínculo afetivo e quem pode oferecer as melhores

condições para sua saúde física e mental. Essa abordagem é evidência de um avanço no

reconhecimento jurídico do valor intrínseco dos animais e de sua importância dentro do

núcleo familiar.


O reconhecimento da UNESCO sobre os animais como "seres sencientes"; é um marco

significativo que reflete uma mudança paradigmática na forma como a sociedade e o

sistema jurídico compreendem e valorizam a vida não humana. Este reconhecimento

implica uma visão dos animais como seres capazes de sentir dor, prazer e emoções, o que

os coloca além da mera categoria de propriedade ou objeto. Tal perspectiva reforça a

necessidade de proteção legal para os animais, considerando suas necessidades físicas e

emocionais.


As discussões sobre a proteção de animais englobam uma ampla gama de espécies,

incluindo animais silvestres, domésticos e domesticados. A proteção destas diferentes

categorias de animais apresenta desafios específicos e requer abordagens jurídicas

distintas. Animais silvestres, por exemplo, são frequentemente protegidos por legislações

ambientais que visam conservar a biodiversidade e garantir o equilíbrio dos ecossistemas.

Já os animais domésticos e domesticados estão mais sujeitos às leis de proteção animal,

que buscam assegurar seu bem-estar e prevenir maus-tratos.


O conflito entre a visão holística da Constituição e o antropocentrismo do Código Civil é um

aspecto crucial que permeia o debate sobre os direitos dos animais. Enquanto a Constituição Federal de 1988 adota uma abordagem mais inclusiva e holística,

reconhecendo o valor intrínseco da vida e a importância da preservação do meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o Código Civil brasileiro, em contrapartida, ainda reflete uma

visão antropocêntrica que tende a considerar os animais como propriedades ou objetos de

posse. Esta dicotomia entre os princípios constitucionais e as normas civis cria um cenário

jurídico complexo e desafiador, que exige uma revisão e atualização das leis para refletir

uma perspectiva mais atualizada e progressista sobre os direitos dos animais.


Em 2019, o Senado Federal aprovou o PLC 27/2018, segundo o qual os animais deixam de

ser considerados objetos e passam a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de

direitos despersonificados. Em consulta pública feita pelo Senado, a proposição recebeu

aprovação de mais de 24 mil pessoas, contra apenas 731 votos negativos. O projeto

reconhece nos animais a condição de seres sencientes – ou seja, que têm sentimentos – e

altera o Código Civil para que não sejam mais considerados bens semoventes. Como a

proposta teve início na Câmara dos Deputados e foi aprovada com alterações no Senado, o

projeto retornou à primeira casa para nova análise (PL 6.054/2019). Neste ano, a Câmara

dos Deputados recebeu o PL 179/2023, que busca regulamentar a família multiespécie –

definida como a comunidade formada por seres humanos e animais de estimação – e prevê

uma série de direitos para os pets, inclusive pensão alimentícia e participação no

testamento do tutor. A ilustre subcomissão da parte geral propôs a inclusão de um novo

artigo no Código Civil, especialmente dedicado à qualificação jurídica dos animais.


Eis a proposta:


Dos Bens Móveis e Animais


(…)


Art. 82-A Os animais, que são objeto de direito, são considerados seres vivos dotados de

sensibilidade e passíveis de proteção jurídica, em virtude da sua natureza especial.

§ 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá

sobre o tratamento ético adequado aos animais;

§ 2º Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as

disposições relativas aos bens, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza e

sejam aplicadas considerando a sua sensibilidade;

§ 3º Da relação afetiva entre humanos e animais pode derivar legitimidade para a tutela

correspondente de interesses, bem como pretensão indenizatória por perdas e danos

sofridos.


Os argumentos apresentados para justificar o novo artigo são os seguintes:


O atual texto do artigo 82 do CC dispensa aos animais o tratamento de bens móveis

semoventes, o que, no entanto, não é o mais correto. Afinal, os animais são seres vivos e,

por isso, devem contar com proteção jurídica e tratamento diferenciados. Ocorre que a

proteção dos animais, até mesmo diante da complexidade da matéria e impossibilidade de

esgotamento no presente texto, deve ser trabalhada em legislação específica, não cabendo

ser objeto exaustivo do Código Civil. Assim, com inspiração no Código Civil português, a

presente proposta busca incluir o artigo 82-A e seus parágrafos no Código Civil brasileiro,

dispondo sobre a diferenciação do tratamento jurídico dos animais e estimulando a

elaboração de lei específica sobre o tema.




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